domingo, 15 de fevereiro de 2009

PRAZER A 100 POR HORA


Começo esse post com uma indagação: o que nos é lícito fazer para levarmos uma vida prazerosa e feliz, aproveitando cada minuto dos nossos dias? Diversas respostas surgirão, a partir de diferentes óticas filosóficas e morais. É difícil chegar num consenso. Até porque, como já disse num post anterior, "certo" e "errado" são conceitos relativos. Então, como pensar o direcionamento de nossas ações e atitudes diante da questão supracitada? É um ponto que tem me incomodado bastante nos últimos dias.

Vivemos em tempos de oposições e conflitos, o que dificulta uma tomada de posição. Fomos (e ainda somos) condenados à culpa do pecado original e , às vezes, pensamos em levar uma vida resignada diante das dificuldades e sofrimentos. Estamos aqui para reparar nossos erros e pecados. O prazer não nos é digno. De outro lado, chegamos numa época em que as possibilidades de prazer são inúmeras e facilitadas, nos convidando, incessantemente, ao seu usufruto infindável. Aí, nos tornamos verdadeiros apóstolos dionisíacos.

Há quem deseje se libertar da corrente do pecado original (e eu me incluo nessa lista). Mas quando a questão é "viver a vida bem-vivida" é difícil não se deixar seduzir pelo culto ao hedonismo exacerbado. Não me rendo a falsos moralismos ou a qualquer tipo de puritanismo (quem me conhece, sabe muito bem). Mas também acho que nesses caminhos diários rumo à finitude em que consiste a vida, alguma coisa deve nos guiar, algum fio-condutor. Um propósito. E aí, já não cabe qualquer coisa. Já não estamos numa arena de vale-tudo.

Claro que as pessoas têm gostos e opiniões diferentes quantos aos meios de se obter prazer. Porém, dependendo do fio que conduza a sua vida, alguns preceitos deverão ser preservados. Não falo dos que pretendem fazer da vida um palco de diversão em busca de um prazer inconsequente. Sobre isso, nem perco meu tempo. Falo dos que pretendem sim aproveitar a vida, ter alegria e satisfação, desde que com ética e coerência. Nesse caso, não dá pra entrar numa de "prazer a 100 por hora". Há que selecionar, escolher melhor. Ponderar. Senão, certas coisas em nossas vidas simplesmente perderão o sentido...
A vida é curta e nós queremos ser felizes. Mas o que, realmente, nos trará felicidade? Em quais pilares nós desejamos sustentar a nossa bem-aventurança? Que frutos nossa consciência irá colher? Faz-se necessário refletir sobre o que fazemos diante de nossa própria consciência. E, então, cuidar para que não se profane o que é sagrado. O sagrado de nossa relação com o mundo, com o outro. O sagrado em nós.

Finalizo esse post com um pensamento que pode não responder a indagação com a qual eu o iniciei, mas que pode nos ajudar a refletir sobre a nossa vida e, principalmente, sobre o que fazemos dela:
"Se na estrada da vida não sabemos para onde vamos, então, qualquer lugar serve".

Espero que possamos saber, exatamente, onde queremos chegar.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

INIMIGOS DA FÉ



O Jornal Extra publicou uma série intitulada "Inimigos da fé" sobre intolerância religiosa. Segundo a reportagem, as religiões de matriz africana são as que mais sofrem discriminação. É fato.

As perseguições sofridas por essas práticas religiosas atingiram até um lugar que deveria ser sinônimo de esclarecimento e ética: a escola. Os alunos adeptos do Candomblé vêm passando por verdadeiras humilhações dentro do ambiente escolar através de atitudes dos próprios colegas e, até mesmo (pasmem!), dos professores. Sim, os mestres! Aqueles que deveriam ter uma postura respeitosa e aberta para as diferentes possibilidades de conhecimento e cultura. É, realmente, um contrassenso! Vale lembrar, ainda, que a instituição escola, quando não confessional, deve ser laica e, portanto, imune a qualquer tipo de direcionamento religioso.

Criaturas do meu Brasil baronil! Atitudes de respeito e compreensão não pressupõem aceitação (ou conversão) a uma ideia ou, como é o caso, a uma concepção religiosa. Aliás, atitudes desse tipo são o mínimo que se exige de alguém que se prentenda educador. E não só destes, mas de qualquer pessoa que pretenda viver numa sociedade solidária e pacífica.

A intolerância consiste num passo muito largo em direção à discórdia e à violência!

Agora, há de se perguntar o porque de tudo isso. Por que será que as religiões afro-brasileiras são os principais alvos de tanta perseguição e desrespeito? Creio que essa questão (particularmente) transcenda a dimensão religiosa para uma questão maior, social, identitária. O fato dessas manifestações religiosas provirem (ou, pelo menos, terem raízes) na Mãe África e, por isso, terem como seu principal difusor e adepto a população negra, explica muita coisa. A tentativa de extirpação da identidade negra através da disseminação de ideias equivocadas, mas muito bem (ou mal) intencionadas, teve resultados "exemplares" no âmbito religioso: a primitivização e demonização dessas religiões. O pior é que a grande maioria das pessoas continua reproduzindo tais ideias ditadas por uma cúpula de pseudo-pensadores que se dizem entendedores do assunto. É lamentável que pessoas, em pleno século XXI, ainda sejam capazes de permitir que outro (s) diga (am) como construir seu próprio conhecimento, a partir de verdades absolutas e dogmas irrefutáveis.

As religiões afro-brasileiras são um legado deixado por um povo que construiu o Brasil, que ergueu os pilares do nosso país enquanto Nação. E esse legado cultural (riquíssimo, por sinal) não pode ser renegado. E, muito menos, demozinado. Uma simples pesquisa despretensiosa constataria que no Candomblé, por exemplo, o Diabo não tem vez (até poque, essa é uma designação cristã), pois não existe essa visão dicotômica (e antagônica) entre Bem e Mal. Os Orixás são ancestrais divinizados e expressam, portanto, potencialidades (arquétipos) semelhantes as do homem comum. Isso, aliás, faz com que se estreite o laço entre ele e a divindade; que é uma religião politeísta, extremamente vinculada à natureza, que valoriza a ancestralidade e reforça os laços de parentesco (mesmo que espirituais). Há que se perguntar, então, quem é primitivo aqui...

Posso não concordar com essa concepção religiosa, mas a compreendo e reconheço seu valor. Posso não me tornar sua adepta, mas a respeito e espero que seus praticantes tenham tanta liberdade de crença e culto quanto eu. Mas para aqueles que insistirem nessa prática horrenda e pré-histórica que é o preconceito, cabe lembrar que existe uma lei, a Lei Caó, que pune praticantes de discriminação religiosa e que a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial firmou uma parceria com o Ministério da Justiça para a criação de delegacias especializadas em intolerância religiosa e crimes étnico-raciais no país.

Felizes seríamos se não precisássemos dessa lei (como de muitas outras) e, simplesmente, compreendêssemos que, como diz Gilberto Gil em sua canção:

"um vende limões,
o outro vende o peixe que quer
o nome de Deus pode ser Oxalá,
Jeová, Tupã, Jesus, Maomé,
Maomé, Jesus, Tupã, Jeová,
Oxalá e tantos mais
somos diferentes, sim, para sonhos iguais"

("Guerra Santa"- Gilberto Gil)