quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

INIMIGOS DA FÉ



O Jornal Extra publicou uma série intitulada "Inimigos da fé" sobre intolerância religiosa. Segundo a reportagem, as religiões de matriz africana são as que mais sofrem discriminação. É fato.

As perseguições sofridas por essas práticas religiosas atingiram até um lugar que deveria ser sinônimo de esclarecimento e ética: a escola. Os alunos adeptos do Candomblé vêm passando por verdadeiras humilhações dentro do ambiente escolar através de atitudes dos próprios colegas e, até mesmo (pasmem!), dos professores. Sim, os mestres! Aqueles que deveriam ter uma postura respeitosa e aberta para as diferentes possibilidades de conhecimento e cultura. É, realmente, um contrassenso! Vale lembrar, ainda, que a instituição escola, quando não confessional, deve ser laica e, portanto, imune a qualquer tipo de direcionamento religioso.

Criaturas do meu Brasil baronil! Atitudes de respeito e compreensão não pressupõem aceitação (ou conversão) a uma ideia ou, como é o caso, a uma concepção religiosa. Aliás, atitudes desse tipo são o mínimo que se exige de alguém que se prentenda educador. E não só destes, mas de qualquer pessoa que pretenda viver numa sociedade solidária e pacífica.

A intolerância consiste num passo muito largo em direção à discórdia e à violência!

Agora, há de se perguntar o porque de tudo isso. Por que será que as religiões afro-brasileiras são os principais alvos de tanta perseguição e desrespeito? Creio que essa questão (particularmente) transcenda a dimensão religiosa para uma questão maior, social, identitária. O fato dessas manifestações religiosas provirem (ou, pelo menos, terem raízes) na Mãe África e, por isso, terem como seu principal difusor e adepto a população negra, explica muita coisa. A tentativa de extirpação da identidade negra através da disseminação de ideias equivocadas, mas muito bem (ou mal) intencionadas, teve resultados "exemplares" no âmbito religioso: a primitivização e demonização dessas religiões. O pior é que a grande maioria das pessoas continua reproduzindo tais ideias ditadas por uma cúpula de pseudo-pensadores que se dizem entendedores do assunto. É lamentável que pessoas, em pleno século XXI, ainda sejam capazes de permitir que outro (s) diga (am) como construir seu próprio conhecimento, a partir de verdades absolutas e dogmas irrefutáveis.

As religiões afro-brasileiras são um legado deixado por um povo que construiu o Brasil, que ergueu os pilares do nosso país enquanto Nação. E esse legado cultural (riquíssimo, por sinal) não pode ser renegado. E, muito menos, demozinado. Uma simples pesquisa despretensiosa constataria que no Candomblé, por exemplo, o Diabo não tem vez (até poque, essa é uma designação cristã), pois não existe essa visão dicotômica (e antagônica) entre Bem e Mal. Os Orixás são ancestrais divinizados e expressam, portanto, potencialidades (arquétipos) semelhantes as do homem comum. Isso, aliás, faz com que se estreite o laço entre ele e a divindade; que é uma religião politeísta, extremamente vinculada à natureza, que valoriza a ancestralidade e reforça os laços de parentesco (mesmo que espirituais). Há que se perguntar, então, quem é primitivo aqui...

Posso não concordar com essa concepção religiosa, mas a compreendo e reconheço seu valor. Posso não me tornar sua adepta, mas a respeito e espero que seus praticantes tenham tanta liberdade de crença e culto quanto eu. Mas para aqueles que insistirem nessa prática horrenda e pré-histórica que é o preconceito, cabe lembrar que existe uma lei, a Lei Caó, que pune praticantes de discriminação religiosa e que a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial firmou uma parceria com o Ministério da Justiça para a criação de delegacias especializadas em intolerância religiosa e crimes étnico-raciais no país.

Felizes seríamos se não precisássemos dessa lei (como de muitas outras) e, simplesmente, compreendêssemos que, como diz Gilberto Gil em sua canção:

"um vende limões,
o outro vende o peixe que quer
o nome de Deus pode ser Oxalá,
Jeová, Tupã, Jesus, Maomé,
Maomé, Jesus, Tupã, Jeová,
Oxalá e tantos mais
somos diferentes, sim, para sonhos iguais"

("Guerra Santa"- Gilberto Gil)

6 comentários:

  1. Questões que envolvem fé e religião são sempre assuntos muito polêmicos. É uma pena que essa palavra "religião" não encontre seu sentido real no coração das pessoas (religião,do latim: "religio" = religar o homem a Deus. Afinal, quem não respeita o próximo está longe de estar "religado" a Deus.

    Parabéns pela postagem! Beijinhos...

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  2. É papel da escola estimular a formação de valores que respeitem as diferenças dos grupos. As medidas que repudiam o preconceito devem ser compartilhadas pelos sistemas de ensino, estabelecimentos, processos de formação de professores, comunidade, professores, alunos e seus pais.
    Políticas de reparação da educação de negros devem possibilitar a permanência na escola e valorização do seu patrimônio histórico-cultural para que possam atuar como cidadãos participantes. O sucesso das políticas públicas depende da reeducação das relações entre negros e brancos.

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  3. Oi... eu to prestando vestibular, e to precisando dessa serie de reportagens, só que já entrei no site do EXTRA e num acho essas reportagens... se vc puder me ajudar...
    Bom meu e-mail é: beatrizsrock@yahoo.com.br
    se não puder, fica aqui meu obrigado pela atenção, e por vc não deixar de se preocupar com questões dessa magnitude!!!

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  4. Bom, Bia...
    Não sei como poderia te ajudar! Eu recortei algumas reportagens dessa série. Mas achei que o site do jornal deixasse disponível para acessos. Posso te indicar algumas leituras, não sei exatamente o que vc deseja (é somente sobre questões religiosas?)...
    Té mais!

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  5. Fernanda (Fê de Fernanda mesmo!?), seria muito monótono se todos tivessem os mesmos pensamentos, idéias e utopias, não sei o quanto isso seria bom ou ruim. Alguns ensinam fórmulas "mágicas" do tipo: O direito de um acaba quando interfere no do outro. Mas acredito que temos a obrigação de manter a mente aberta e deixar idéias novas fluir para que possamos refletir sempre e com isso ter certeza e convicção que devemos prosseguir no que acreditamos ou a humildade de aceitar novos experimentos. Quero sempre poder aprender, rever conceitos, crescer como pessoa... Para isso precisamos de jovens como você que se expõe sem medo de serem julgadas e condenadas, mesmo por "juízes" mediócres e carrascos vil e sem alma.
    Sentir-se do outro lado é muito bom e necessário... por que podemos sentir o quanto fomos hipócritas. Outrossim, calar-se diante de algo que discordamos, tira o direito do outro de descobrir o quanto estava equivocado. Sabe-se lá o quanto posso lapidar a minha pedra bruta quando a uso para lapidar a sua!
    A discriminação é tão presente em nossas vidas que só conseguimos ver as mais incomodas. Vamos pegar um ônibus ou andar pelas ruas do centro de nossas cidades, se olharmos com uma visão mais aguçada e crítica vamos nos tornar testemunhas oculares.
    Basta saber que de um único Deus foi suficiente para que o homem derivasse várias religiões. Como é possível?
    O homem está fadado a se destruir... sobreviverão os mais fortes (ou os mais espertos), isso se ainda existir algum planeta, afinal, quando alguns se preocupam em saber quem é o Deus da moda outros tentam ser o próprio Deus destruindo tudo e todos que se opõem aos seus mandamentos.
    Aguardo suas visitas.
    Roberto Ramos

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  6. Em tempo
    Acho que o link para a reportagem é esse: Extra Online.
    Espero ter ajudado.
    Roberto Ramos

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